Nos jornais de hoje já todos nos acostumámos a ler títulos sensacionalistas. Sejamos sinceros e admitamos que um titulo bombástico é crucial para a chamada de atenção. Hoje em dia vivemos em correria constante e mal temos tempo para coisas corriqueiras e por vezes importantes, e os jornais sabem disso. Portugal não é dos Países mais ocupados , mas mesmo assim é um País ocidental, "desenvolvido" e algo atarefado e como tal as pessoas não tendem a ter tempo para parar na sua lida, muito menos para ler. Então é crucial que nos poucos instantes em que algum transeunte espie para uma montra de jornais, a atenção deste seja chamada o mais breve e eficaz possível.
Mas o que nos diz isto sobre a natureza humana?
Imaginemos uma agressão relatada num titulo de jornal. Um rapaz, dos seus18 anos, viu-se envolvido em uma desavença com outro da mesma idade, deixando este ultimo em estado grave. Os títulos?
"Jovem agride outro" ou "Jovem mandado para UCI após agressão"
Eu não sou repórter, nem sei como pensam e escolhem os títulos de jornal, mas suponho que seria algo do gênero: Titulo curto, e directo ao ponto: Jovem e Agressão; uma vez posta esta idéia na mente do leitor, toda uma historia se desenrola e o remédio? Ler a noticia.
Imaginemos agora que um dos indivíduos é de etnia cigana. Quais os títulos?
"Cigano agride jovem deixando-o em estado grave" ou "Jovem agredido por cigano em estado grave" - no caso em que o individuo agressor é de etnia cigana,
ou
"Cigano agredido gravemente" ou "cigano agredido por jovem" - no caso em que o individuo cigano é a vitima.
Eis um caso de discriminação. Podem dizer:
«mas se o rapaz era cigano é verdade, não é mentira. Não é discriminação falar a verdade, que um cigano agrediu. E ainda há o caso em que ele é vitima, isso de certeza que não é discriminação, até se "falou bem"...»
Pois... discriminação, essa é a palavra chave. Principalmente porque muitos acusam os ciganos e seus defensores de a usarem como arma de arremesso «ai, tudo quanto se faz contra os ciganos é discriminação e tal e não podemos fazer nada. Ou aceitamos ou levamos com essa da discriminação...» . Como pensam muitos dos não ciganos. Isso diz-nos sobre quem pensa assim, que para eles nós , os ciganos, gostamos de aprontar (como dizem os nossos "co-falantes" do Brasil) e escondermo-nos atrás da palavra mágica -discriminação.
E tais respostas são discriminação e preconceito.
«Que raio, mas afinal o que é a discriminação?»
«Mesmo se falarmos mal, é discriminação. Se falarmos a verdade, ou apontarmos um facto, é discriminação. Simplesmente não podemos criticar os ciganos, porque isso é discriminação!!»
Eu não vou dizer qual o significado da palavra - vejam num dicionário!! Mas vou tentar explicar como a discriminação opera, como está patente nos títulos de jornais e quais as suas conseqüências.
A discriminação está patente porque ao referir "Cigano" não se identifica o "jovem" (agressor ou vitima) como tal. Como se jovem fosse um grupo e os ciganos outro grupo, disjunto.E o que começa como uma separação numa frase, surge como uma separação na mente dos leitores, que assimilam esta separação.
Os títulos vão directo ao que é do conhecimento e compreensão dos leitores. E se um titulo, ou genese de titulos,é repetido é porque funciona e tem reflexo na compreensão dos leitores. E nesta compreensão os ciganos são algo à parte da "gente" leitora. Assim sendo, não só este tipo de jornalismo educa e alimenta as mentes com discriminação como é a prova flagrante de que tal existe na sociedade a larga escala!! Porque não são dois ou três que lêem e comprem o jornal! Isso garanto-lhes!
E agora a consequencia. Falei há pouco que a palavra discriminação e a palavra cigano vinham associados na imprensa com alguma (muita) freqüência. Tal acontece porque tais termos são chamativos - é o escândalo, o horror, a maior das surpresas desagradáveis... Mas há outro termo que vem quase sempre em companhia de "discriminação" o do "preconceito".
Ora bem, depois de vários séculos a haver a distinção entre os que são ciganos e os que não são, a imprensa, que detem um poder imenso nas mãos -o de influenciar mentes - insiste em marcar a separação, em passar/apoiar a idéia de que "nós" e "eles" não somos os mesmos. Porque embora tenham o poder de moldar opiniões, não podem vender o que não está de acordo com a concepção mental (não importa de que assunto) do leitor/comprador.
E isto é o que nos leva ao preconceito. Porque a partir do momento em que se discrimina qualquer grupo numa noticia, o leitor faz o que está habituado a fazer, parte do particular para o geral. Porquê? Porque o cigano é um grupo, e o jornal associa atributos ao nome de um grupo, logo embora na altura a pessoa até diga, «há e tal, estou a ler, mas sei que não são todos iguais, que há ciganos e ciganos» mesmo que digam e até pensem assim, inconscientemente essa coleção de atributos fica associada ao grupo "cigano" , até porque não vão criar uma "base de dados mental" em que se descrimina o nome da pessoa e respectivo caso, simplesmente repara-se no que há de comum - todos eles eram ciganos, logo associam tudo ao grupo numa primeira fase, e quando se deparam com individuo de etnia cigana, identificam o que aprenderam sobre esse grupo em geral a um individuo em particular.
Podemos dizer que ninguém tem culpa de ser enganado, mas, francamente, se lêem jornais é porque gostam , ou pelo menos tem a presunção de serem "informados" então porque não dar jus ao nome e informarem-se? É que os jornais só passam uma imagem, a que vende mais por ser comercial e os leitores agarram-se a esta imagem como resultado de um estudo imaculado, quando tais linhas são conclusões infundadas , cheias de falácias de varios tipos.
Porque a partir do momento em que se trata alguem com base no que se sabe, não da pessoa em si, mas do grupo a que essa pessoa pertence, e tal informação é baseada em jornais e não em "estudo de campo", com a convivência com ciganos, está-se a cometer preconceito. E isto, caros leitores, é o que acontece por todo o mundo. Pessoas mal informadas apressam-se a criar uma opinião precipitando-se numa serie de atitudes injustas e intensificadas pela falta de informação e , o que é pior, a mal-informação.
Pelo que aproveito para pedir, sinceramente, que busquem informarem-se antes de se pronunciarem sobre qualquer assunto. Observem primeiro a fundo, respondam às vossas duvidas, antes de gerar qualquer conclusão, e quando estiverem perto de uma, lembrem-se de deixar umas linhas de critica à mesma, lembrando-se de que as pessoas e seus comportamentos não são bem definidos, ou a antropologia não teria tantas dificuldades em chegar a conclusões. Mantenham sempre uma mente aberta acompanhada de tolerância e compreensão, porque mesmo quando se parece ver uma coisa, está-se na verdade a olhar para outra.
Os ciganos também são portugueses, ou brasileiros, etnia e nacionalidade não se excluem mutuamente, se até é possível ter dupla nacionalidade melhor se pode ter uma nacionalidade e uma etnia, e esta não precisa de ser assumida por um grupo pequeno de indivíduos, e quando tal ocorre, lembrem-se disto, há tantos ciganos no mundo como portugueses. Se não podemos julgar portugueses por um sub-grupo deles, também não se pode julgar os ciganos por um punhado de historias contadas e ouvidas contar. É preciso viver para aprender, ou não se vive nada.
Para finalizar queria só salientar que não acuso o jornalismo, até porque há jornalismo de qualidade hoje em dia, é só saber procurar, refiro-me ao tipo de jornalismo que se inspira no sensacionalismo. Sabemos que tal é necessário para chamar a atenção, mas como tudo é preciso ter moderação e espírito critico antes de bombardear mentes desprotegidas com qualquer tipo de informação. O jornalismo tem a obrigação de informar e transmitir informação o mais insentamente possivel, e por vezes escapa que a discriminação num titulo é bastante grave, quanto mais num artigo inteiro!!
Abraço e peço desculpas pela extensão do artigo, não era minha intenção a principio.
Fiquem bem ;-)
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